dezembro 26, 2008

vozes em forma de abraço

o natal tem rituais e promete sempre reencontros. para lá do encontro da família, presentes as vozes que se revelam como verdadeiros abraços ternos através da curta distância telefónica. são os amigos que tivemos de deixar noutros espaços, que a corrida diária priva à nossa companhia, e a quem voltamos incondicionalmente como se a separação não fosse mais longa que um ontem.

dia 24 de dezembro, 16h-18h. sei que a tua voz volta por esta altura. eu estarei de roda dos sonhos, entre a mão que se afunda na massa envolvendo ovo a ovo, ou já na fase mais dolorosa das frituras, até à saturação do olfacto em vapor de óleo. falamos das famílias, das rotinas, partilhamos alguns códigos. reafirmamos a vontade do reencontro. trocamos votos de boas festas, e medimo-nos pelo nível de contentamento à boleia do ritmo das palavras ditas. e será sempre assim, até que um de nós falte. ficará sempre um sorriso no rosto, esboçado com o gesto de pousar do telefone.

há também a voz escrita em postais de natal que não quero deixar de enviar. também falam. tal como os postais que incondicionalmente recebo todos os anos, onde percebo a fragilidade da escrita, a velhice. são sinais de alerta para a fragilidade da vida, com as suas surpresas, como uma amiga muito especial, com os seus 88 anos, que calcorreia toda a vila para dois dedos de conversa, uma surpresa doce, e mimos. sempre os mimos. eu mimo-a, aquecendo-lhe as mãos entre as minhas.


[título alternativo: boas festas anti-sms]

fotograma virtual #2

khalu passa boa parte dos dias no alto da sua torre, hotel de luxo, casa de férias, o que se lhe queira chamar. o hotel da khalu fica umas quantas portas abaixo, na rua. está feliz. mas nada como mostrar-lhe novas aventuras. novos espaços, pessoas, cheiros, sons... stress?! não é palavra que ela conheça. nem os miados da viagem foram além do seu estado refilão habitual de gata mimada.
já noite cerrada, abrimos a porta da rua e khalu ali estava, como quem tocou à porta e espera entrar. ainda me perguntaram: "é ela?!", sim era mesmo ela. não sei há quanto tempo ali estava, quando saiu do seu "hotel", por onde andou, mas sei que nos esperava, que entrou em casa com toda a naturalidade, que sabia onde estávamos e que não nos quis deixar. uma aventura que poderá ter durado umas 2h! resumo da kasca: a khalu já abre portas.

dezembro 24, 2008

fotograma virtual #1

cheguei ontem ao alentejo. ainda à procura de um espaço quente. o quarto rejeita-me, gelado. falta-me um cobertor, falta-me o peso de um cobertor. discute-se decoração: uns cortinados que me incomodam a vista. mas tudo isto é a falta de mimos de gente bem habituada, contraste a outros que nem mimos nem bons hábitos. é natal. o frio continua. menos mal, não chove. o céu nocturno é límpido.

dezembro 18, 2008

sonhos... [com Glenn Gould/Bach]

perdida por terras de castelo de vide em pleno agosto, fui fulminada pela concretização do cenário de um sonho algo recorrente. todos os elementos batiam certo, ao ponto do coração acelerar um pouco, em ansiedade, questionando-se se o grande tronco estaria mesmo atravessado na estrada, depois da longa recta, na curva apertada que aqui ainda não se deixava adivinhar. ainda assim, o pé pesava-se sobre o pedal, pedindo uma resposta rápida. mas o carro não era vermelho, tal como no sonho, e eu não estava rodeada de rostos desconhecidos. depois da curva o sonho perdura, sem significado, sem prenúncios, sem fatalismos.

isto tudo para chegar a outro tipo de sonho, os pequenos sonhos que nos levam a vivenciar novas situaçoes, acções e desafios. muitos deles, ficando por realizar, alimentam propósitos e razões de existir. são puras especiarias nas rotinas sensaboronas dos nossos dias. a ansiedade de descobrir o que se revela depois da curva. eu... concretizei um sonho, com a ajuda imprescindível de um grupo de pessoas espectaculares. logo, tenho um sonho a menos. e ainda que o propósito deste sonho não fosse muito importante, sinto que me arranquei um pedaço de mim. não escapei à posterior sensação de queda no vazio.

para já vou preencher um pouco desse pedaço regressando a Bach e a Gould, e vou convencer-me que um próximo sonho digno de substituir o espaço ocupado pelo anterior pode muito bem ser o de um dia vir a passear os meus dedos sobre um teclado como Gould o faz enquanto trauteia as Goldberg, um sonho para o resto dos meus dias...



dezembro 15, 2008

Em Geral, e Em Particular [Djuna Barnes]

uma pequena amostra das leituras da tarde no gato vadio, e um regresso do kasca a Djuna Barnes [aqui e aqui]





Em Geral

Qual a toalha de altar, qual o pano fino
Que não tem um preço?
Para quê lances, truques no jogo
Sem uma finalidade?
Mas a ti apreciámos-te ainda um pouco
Mais do que a Cristo.




Em Particular

Qual o trapo preso à cintura, qual o farrapo mais sórdido
Que não tem um preço?
Para quê menear o corpo, sentir a luxúria
Sem uma finalidade?
E assim adorámos-te um pouco
Mais do que a Cristo




In General

What altar cloth, what rag of worth
Unpriced?
What turn of card, what trick of game
Undiced?
And you we valued still a little
More than Christ.
In Particular

What loin-cloth, what rag of wrong
Unpriced?
What turn of body, what of lust
Undiced?
So we've worshipped you a little
More than Christ.


[O Livro das Mulheres Repulsivas, &etc, trad. Fernanda Borges]

dezembro 14, 2008

saturday night fever

mantra da noite



...
there's four new colors in the rainbow
an old man's taking polaroids
but all he captures is endless rain, endless rain
he says listen, takes my head and puts my ear to his
and I swear I can hear the sea
...

dezembro 08, 2008

desafios...

... está bem, menina tangas, vou quase cumprir:

Five lonely women going mad quietly by themselves, in spite of husband and children or rather because of them. Doris Lessing, em The Golden Notebook (Harper Perennial), o mais próximo à espera de ser lido.

onde está o misticismo do desafio?

eu desafio cinco almas inspiradas a deixar cinco místicas idéias com base na frase que me calhou em sorte!

(e se este desafio já anda por aqui há mais de um ano, já alguém se deu ao trabalho de compilar as infinitas frases soltas?)

dezembro 06, 2008

as escolhas manuseadas da inês*...

... quando não está entretida com a khalu:

palavras:
- a peste, camus
- números vários da revista "tabacaria"
- os contos, de virginia woolf
- eclesiastes (apresentado por jorge sampaio)
- profetas menores (apresentado por manuel poppe)

sons:
- pianoworks, erik satie
- baile no bosque, trovante

imagens:
- éloge de l'amour, j.l. godard
- alphaville, j.l. godard
- fahrenheit 451, françois truffaut

eu partilhei com ela o seu livro de actividades do carteiro paulo. agora já voltou tudo aos seus lugares...

*a.k.a. minibarda

dezembro 02, 2008

O Público [Federico García Lorca]: leitura encenada

9 e 10 Dezembro 2008, 21h45, Anjos Urbanos

Produção: Teatro Aramá e Anjos Urbanos
Direcção: Tó Maia

reservas: 96 265 7894
email: teatroarama@gmail.com

N’O Público ressoam ecos surrealistas (...), o mundo íntimo do autor cruza-se com a sua reflexão sobre o teatro, como se arte e vida estivessem estreitamente unidas nesta etapa da sua criação literária. Esta obra (...) é um acto de auto-afirmação pessoal e artística(...). É uma explosão do mais genuíno substrato Lorquiano, que viu luz entre 1929 e 1930, empurrado pelos novos ares surrealistas e nova-iorquinos, mas que também estava profundamente enraizado no mais emblemático do seu autor, e em grandes escritores do teatro clássico e contemporâneo.
[em El Público, Maria Clementa Millán, Letras Hispánicas]