fevereiro 26, 2009

transcendências

há cidades que nos acolhem e re-acolhem a cada regresso. locais onde se volta sem de lá ter saído. ruas onde o cérebro comuta automaticamente para o sentido correcto dos passos. gestos apreendidos, rostos que se reconhecem mesmo sem palavras trocadas. fica sempre a sensação de agenda não-cumprida, coisas adiadas para a próxima visita. desta vez, além trabalho, do wet-british-kentish weather, do frio e do aconchego, Canterbury foi a solenidade do serviço religioso Evensong, com o cair da noite, na nave central da Catedral da Cantuária. Brutal!

não se descreve a madeira a reverberar sob os pés em consonância com os sons do orgão de tubos que, de tão graves, eram quase imperceptíveis ao ouvido; o corpo envolvido pelos sons sussurados de uma cadência plagal cantada a quatro ou mais vozes pelo coro da catedral, terminando um dos hinos do serviço religioso, espalhando-se pelas arcadas, naves, pelo espaço solene tão majestosamente pensado por comuns mortais; não se explica o arrepio. de olhos fechados ou abertos, mostras do génio humano transcendido a penetrar-nos o corpo/alma. chame-se a tudo isto obra de inspiração divina. eu contraponho a ideia de Homem auto-divinizado. por uma segunda vez, brutal.

[ka@canterbury,uk_09]

suspiro de noz*

as nozes de Trás-os-Montes têm monopolizado as minhas refeições matinais.
diz o anúncio: o que é nacional é bom!
e são mesmo. recomendam-se!

o resto dos dias tem sido uma correria.
nem tempo para vir aqui deitar umas kascas...



* que bela ideia de sobremesa...

fevereiro 18, 2009

a propósito de palavras (algumas difíceis), a propósito de O'Neill



Animais Doentes

Animais doentes as palavras
Também elas
Vespas formigas cabras
De trote difícil e miúdo
Gafanhotos alerta
Pombas vomitadas pelo azul
Bichos-de-conta bichos que fazem de conta
Pequeníssimas pulgas uma sílaba só
Lagartos melancólicos
Estúpidas galinhas corriqueiras
Tudo tão doente tão difícil
De manejar de lançar de provocar
De reunir
De fazer viver

Ou então as orgulhosas
Palavras raras
Plumas de cores incandescentes
Altos gritos no aviário
E o branco sem uso
Imaculado
De certas aves da solidão

Para dizer
Queria palavras tão reais como chamas
E tão precárias
Palavras que vivessem só o tempo de dizer a sua parte
No discurso de fogo
Logo extintas na combustão das próximas
Palavras que não esperassem
Em sal ou em diamante
O minuto ridículo precioso raro
De sangrar a luz a gota de veneno
Cativa das entranhas ociosas.

[Alexandre O'Neill, No Reino da Dinamarca]



["O'Neill à Mesa - 15/2, Gato Vadio - Porto", Marita Ferreira]

fevereiro 11, 2009

boa forma de começar o dia*...

*... ainda que o dia tenha sido ontem!
[de curto email inesperado e simpático]