fevereiro 18, 2008

Na órbita do pião


Olhei para ele, ele para mim
e só tínhamos um atalho
a percorrer e um pouco de nada
para comer. As palavras

foram escasseando aos pés
da tristeza das nossas vidas.
Sós, só nos restava morrer
antes do tempo. Mas quem
teria coragem de parar o corpo
e abandonar o outro no fundo
do poço dos dias insípidos
onde a luz é um charco
de alfabetos de solidão?

Encontrei um pião abandonado
num beco sem nome e lembrei
vagarosamente alguma infância
apoquentada, ficando horas
a fio a rodar o pião
no tampo da mesa de granito,
sem saber como infectar os sóis
e as luas que me restavam.

Olhou-me e nada disse.
Das palavras restavam patilhas
e pernas de letras presas
nas esquinas do farpado vento.
Junto ao pé seco do alecrim
um escaravelho preto agonizava
de patas viradas para a órbita
do astro mortal. Apontou
lá para o cimo e avistei
anjos estrangulados
entre os dentes dum garfo
limpo de comida plástica.

– Que falta nos fazem
as nossas mães!

Foi o qu’eu consegui dizer-lhe.
Então as lágrimas disseram
a saudade que dela tinha.

Oferecendo-me uma carícia,
passou a sua mão sobre
a minha parando o pião.

Do tecto azul invisível
caiu uma pena impura
da asa dum anjo nu

[Jorge Aguiar Oliveira]

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