maio 08, 2008

4.48 Psicose, Sarah Kane

A peça está no Estudio Zero, até dia 18 de Maio. Excelente trabalho da companhia As Boas Raparigas, com os actores Maria do Céu Ribeiro e Daniel Pinto.

Do extremo da depressão, mensagens a estimular a reflexão sobre a ténue fronteira delimitadora da sanidade, do equilíbrio do corpo e da mente. Entre silêncios salta uma observação: "Sabes, acho que estou a ser manipulada mesmo." E que fazer quando somos nós próprios agentes de auto-manipulação, ainda que inconscientemente? As respostas não estão em 4:48, mas nela encontramos um palco possível, extremado, para os conflitos travados dentro da mente, das emoções, e até para a exposição da forma como o corpo se sente aprisionado entre o conflito interior e a cura imposta, a manipulação química, a manipulação psicológica. Uma reflexão crua e penetrante.

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[excerto da peça, a partir de Teatro Completo, Sarah Kane, Campo das Letras]


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O corpo e a mente não se podem casar nunca

Tenho de me tornar na pessoa que já sou, hei-de vaiar sempre esta incongruência que me remeteu ao inferno

A esperança insolúvel não me mantém de pé

Vou afogar-me em disforia
        no lago frio e negro de mim própria
         no fosso da minha mente imaterial

Como posso voltar à forma
se já não tenho pensamentos formais?

Não posso sustentar esta vida.

Vão amar-me por aquilo que me destruiu
        a espada dos meus sonhos
        o pó dos meus pensamentos
        a doença que se alimenta nas dobras da minha mente

Cada palavra de apreço tira um pedaço da minha alma

Um cavalo expressionista
Num estábulo entre dois parvos
Não sabem nada -
        Sempre andei em liberdade

Última numa longa fila de cleptomaníacos literários
        (uma tradição honrada pelo tempo)

O roubo é o acto sagrado
No caminho retorcido para a expressão

Uma grande quantidade de pontos de exclamação substitui um colapso nervoso eminente
Só uma palavra na página e lá está o teatro

Escrevo para os mortos
os desnascidos

Depois das 4:48 não volto a falar
Cheguei ao fim deste conto repugnante e aterrorizante de um sentimento metido numa carcassa alienígena inchada pelo espírito maligno da maioria moralista

Estou morta há muito tempo
De volta às raízes

Canto sem esperança na fronteira

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