Ou lamento de Mónica e Maria
"Deixa-me que fuja"
(...)
Como o sol queima na boca.
Sufoco, bem vês, sufoco. Esta espécie de sono que me mata, me imobiliza aqui deitada a teu lado, estas paredes por onde passo as mãos até as ferir na cal quebradiça, mordida pelos séculos e os ratos que nela construíram os seus ninhos.
As tuas costas. As tuas costas meidas de lisura: Tal como o mar corta a pele na fuga. E saber eu seres só tu a me poder ajudar. Repara: tens a chave. A chave que todos os dias rodas com um ruído seco na fechadura oleada, e então a porta desliza nos gonzos, silenciosa...
(...)
Tua não, presa me tens e por tua me tomas em engano da verdade, bem o tentas e bem o sentes e prisioneira sou da tua liberdade.
Que tempo me restará ainda?
Apenas tu o pressentes, mas impassível esqueces e adormeces deitado a meu lado, em hábito tranquilo, meus cabelos afagando com cuidado.
(...)
Meu amor: e eis que fujo, me apodero de mim. A arma apontada ao teu peito nem sequer parece ameaçadora, mas apenas fria, indiferente, vigilante.
Meu amor:
Poder-me-ás algum dia perdoar esta morte?
(...)
15/5/71
[Novas Cartas Portuguesas, Edições D. Quixote, 2010]
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