janeiro 31, 2009

Safety [Lúcia David]

que faz uma lâmina de barbear dentro de uma caixa de metal de bolachas maria, na companhia de um pequeno urso, caixa com uma pequena janela para uma máquina de calcular electrónica?...


Safety, Lúcia David (2008)
[urso, caixa bolacha maria, lâmina, foto máquina de calcular]



era uma vez uma menina, diziam-na rufia, por passar os seus dias, silenciosa, a brincar pelos quintais. o seu brinquedo preferido era um pequeno urso de peluche que uma tia, também dita rufia por estar sempre meio ausente, lhe oferecera numa das suas aparições relâmpago. a menina sabia que as tardes pelo quintal estavam a chegar ao fim. a escola estava prestes a começar, e com ela as responsabilidades dos trabalhos de casa, o fim das brincadeiras. para marcar o evento decidiu-se por um lanche com o seu amigo urso - o colargol. sorrateiramente levou a caixa de bolachas-maria escondidas no fundo da prateleira da despensa, agarrou no seu porquinho mealheiro, um molho de revistas - dá sempre jeito ter papel por perto... já em plena clareira apercebeu-se que com a caixa das bolachas vinha agarrada um conjunto de recargas das lâminas de barbear do seu pai. a cada bolacha partilhada com colargol a menina entretinha-se a fazer as revistas em farripas! cortes precisos, intencionais, outros ladeando as lindas figuras de manequim em pose, ou então de outros pequenos objectos. arranjava novos amigos para o colargol. quando as bolachas se acabaram, à mesa já estava sentada uma grande família de barbies, tuchas, barriguitas e afins, parecia um autêntico batalhão feminista, munido de um interessante conjunto de ferramentas laminadas pela gillete nas revistas: faqueiros, jogos de toalhas, conjuntos completos de maquillage, perfumes, canetas e adereços, viaturas e máquinas de calcular. Tudo e todas prontos para lutar pelos direitos da sua anfitriã! quando tocou a sineta do “monte” a pequena percebeu que não lhe restava muito tempo. o reencontro com as tardes do quintal teria de esperar meses, talvez anos. efectivamente, ao fim de uns bons anos a lata foi desenterrada entre raízes de uma azinheira. Foi no dia em que a pequena, agora crescida, sentiu o desamparo da perda e foi impelida a reconquistar a segurança desses tempos de criança. lá dentro apenas o cheiro ligeiramente bafiento de terra e bolachas maria, um urso de peluche sorridente, a foto de catálogo da máquina de calcular que ainda hoje usa na sua secretária de trabalho. e uma lâmina. a segurança de saber que poderia terminar quando assim o entendesse. ainda não era esse o momento. encostou-se à azinheira, com o urso colargol no seu colo, ambos contemplando o fim de dia a queimar a linha do horizonte. [ka@ago08]



janeiro 27, 2009

e.e. cummings, revisitado




somewhere i have never traveled,gladly beyond
any experience,your eyes have their silence:
in your most frail gesture are things which enclose me,
or which i cannot touch because they are too near

your slightest look easily will enclose me
though i have closed myself as fingers,
you open always petal by petal myself as Spring opens
(touching skillfully,mysteriously)her first rose

or if your wish be to close me,i and
my life will shut very beautifully,suddenly,
as when the heart of this flower imagines
the snow carefully everywhere descending;

nothing which we are to perceive in this world equals
the power of your intense fragility:whose texture
compels me with the colour of its countries,
rendering death and forever with each breathing

(i do not know what it is about you that closes
and opens;only something in me understands
the voice of your eyes is deeper than all roses)
nobody,not even the rain,has such small hands

e.e. cummings
... de W [ViVa] (1931)

[ viii, em xix poemas, Assírio e Alvim]

janeiro 23, 2009

porto de aconchego


[ka@castelo de queijo&rua do almada_jan09]

janeiro 21, 2009

Há, mas são VERDES...


na minha vida profissional nunca me encontrei em situação de remuneração a recibos verdes. pode dizer-se que tenho sorte. não obstante, não sou insensível à realidade que me rodeia, que contempla as gerações que me são próximas, tanto para baixo, como para cima. se dúvidas ou falta de esclarecimento eu tinha, foram brutalmente tiradas num debate promovido pelo então recém formado FERVE - Fartos dEstes Recibos VErdes. com testemunhos a abarcar funcionários de Estado, pois claro..., pagos a Recibos Verdes. 

é-me claro que as gerações mais novas encontram-se em condições de vínculo laboral muito precárias. pessoas que se esfalfam durante as 24h do dia para chegar ao fim do mês e conseguir pagar as contas. tempo? só para sobreviver?! há aqui qualquer coisa de profundamente errado...

assim, vou fazendo o que posso para tentar fomentar alguma mudança.

está aberta a recolha de assinaturas para a petição Há... mas são verdes! 
vamos lá forçar a discussão e as mudanças... AssinemoS!


da petição:

(...) O recibo verde tem servido quase exclusivamente para a contratação de trabalhadores efectivos por períodos superiores a um ano que a qualquer momento podem ser dispensados sem qualquer tipo de protecção social.

Existe no nosso país um milhão de portugueses que para trabalhar abdicou de subsidio de férias, de subsidio de Natal, de assistência na doença, que vive sem perspectiva de reforma.

Acresce a esta realidade o facto de nunca ter existido na nossa História uma geração tão qualificada. Nunca existiram em Portugal tantos licenciados, tantos pós graduados, tantos mestres, tantos doutorados.

A ausência de condições mínimas de protecção social inerente ao regime de contrato de prestação de serviços origina, de forma inevitável, a emancipação tardia da Juventude Portuguesa, colocando-a assim de forma continuada sob a dependência dos seus familiares.

Os signatários consideram que a utilização abusiva e desvirtuada do recibo verde , promoveu uma realidade injusta. Num mesmo mercado de emprego, existe quem trabalhe com estabilidade e usufrua de protecção social por uma vida, por outro lado, existe quem trabalhe todos os meses, sem direitos sociais, com um horizonte que termina no dia 28 de cada mês. (...)

janeiro 20, 2009

tropeção num piano embriagado

nao sei o que mais me fascina neste vídeo... à procura de outro, tropeço nele. 32 anos de distância obrigam a um certo revivalismo estético e social, mas, note-se, o modelo talk show não é assim tão diferente dos actuais, talvez até mais "fresco". a vestimenta de época tem o seu correspondente nos tempos que correm, ainda que com cores um pouco mais populares. o humor de tom waits tão espontâneo... mesmo que tudo o resto, fumar, beber, extorquir dinheiro seja uma mera encenação... e the piano has been drinking não é a melhor música para ser tocada num talk show. é música para bar intimista, em fim de noite, quando a melancolia se instala e o álcool fermenta as ausências e as recordações. música para recordar tempos de bairro alto. mas ainda assim, tom waits, não resisto partilhar este momento, à distância de 32 anos (quando eu ainda brincava com madeiras...) 

so real

janeiro 16, 2009

A Orfã

[Café Lusitano, Porto, produção Teatro Aramá]

Texto e Encenação: Tó Maia
Direcção de Actores: Nuno Simões
Música Original: Cristina Bacelar

Espectáculo de Café- Teatro
em 4 capítulos, 1 em cada 4ª feira de Janeiro (09)


O espectáculo recria, num tom satírico, o universo "telenovelesco" afrontado em clichés: o protótipo das suas personagens, os seus intermináveis conflitos e encravadas soluções, as suas gordas tristezas e magras alegrias... servirá grandes doses de sentimentalismo até ao enjoo... Basta. Haja quem ria...
[do flyer de divulgação]



acaso

caminhavas na minha direcção. eu conduzia no sentido oposto ao teu destino. impossível não notar-te. passada pensativa, o peso dos ombros, projectando a linha de braços a terminar nos bolsos, impulsionando o movimento. o cachecol, escuro, curtindo o ritmo da caminhada, o reflexo dos teus olhos reservado ao pavimento. quatro segundos depois um reflexo no espelho, enquanto conduzia no sentido oposto ao teu destino.


janeiro 15, 2009

Mercador de Veneza

[Shakespeare, TNSJ, até 18/Jan]


tradução:Daniel Jonas
versão cénica: Ricardo Pais,
Daniel Jonas
encenação: Ricardo Pais

o Mercador de Veneza, produção do Teatro Nacional S. João, está em reposição e é para não perder. pela qualidade do trabalho desenvolvido por todo o elenco e produção, pelas temáticas abordadas, e até de certa forma pelo momento que se vive actualmente na faixa de Gaza e o respectivo e histórico confronto de culturas, costumes e estereótipos.

visualmente, a encenação funciona muito bem: minimalista nos elementos em palco, elegante no figurino e na luz. as vozes, um problema particular: a produção optou pela utilização de microfones, o que pode justificar-se pela dimensão da sala, mas que baralha completamente a percepção do espaço e da localização dos personagens, sensação agravada por muitas das cenas serem projectadas para o fundo do palco e não termos acesso ao rosto dos actores.

uma questão, que terá eventualmente resposta quando me cruzar com o texto original, prende-se com a segunda parte da peça: a história vista e vivida de Belmonte, complemento à primeira parte, localizada em Veneza. na segunda parte houve uma quebra de ritmo, nalguns momentos atenuada por efeitos visualmente mesmerizantes. a opção de interpretação da revelação do papel de Pórcia e Nerissa no desfecho do drama central pareceu-me demasiado dramática para o que senti que o momento pedia, o momento da vitória da argúcia feminina.

não perder!

[do caderno de sala,TNSJ]

janeiro 08, 2009

what i find i can keep...


[This Moment, Melissa Etheridge]

janeiro 05, 2009

Juan Muñoz: uma retrospectiva

[Serralves, até 24 de Fevereiro 09]

ironia ternurenta nos sorrisos das figuras humanas de Juan Muñoz...

quem poderia alguma vez sorrir tendo o seu corpo suspenso pela língua, girando no espaço num bailado harmonioso com o seu par? que ajuntamento humano e tão uniforme pode suscitar tantos sorrisos? que mão será dilacerada ao procurar apoio no corrimão onde, dissimulada, uma lâmina reluzente a espera? ... ... ...
ouvem-se histórias sussurradas pelo espaço, a despoletar contentamento, tensão, comoção, e até ternura.

prenderam-me os olhos:



Hotel Declerq I/II (1986)
Back Drawing (1992)



Stuttering Piece (1993)"wha... wha... what did you say? I didn´t say anything. you never say an... anything anything, but you keep coming, you keep coming back to it"


Shadow and Mouth (1996)Conversation Piece (1996)



The Crossoroads Cabinets (1999)

janeiro 02, 2009

Palestina, política e religião [#3]

Karen Armstrong é uma autoridade internacional em estudos comparativos sobre religiões. ganhou um TED prize, em 2008. [TED - ideas worth spreading]. é uma mulher de pesquisa profunda. vai à raiz dos temas. conhece bem o contexto religioso no conflito israelo-palestiniano. a sua motivação é de abrangência global.

é latente e pertinente a abertura à sua mensagem.

deixo aqui o vídeo e um pequeno excerto escrito da palestra proferida no TED. um desejo para 2009? que o maior número de pessoas possa ouvir esta palestra até ao fim, e que pense um pouco sobre ela.

citação de Karen Armstrong para os significados primitivos de algumas palavras:
Believe – to love, to prize, to hold dear
Credo – I commit myself




O excerto:

Religion, is about behaving differently (…)
Compassion, the ability to feel with the other.

Compassion (…) is not only the test of religiosity. It is also what will bring us to the presence of what Christians and Muslims call God, or the Divine. It is Compassion, says Buda, that brings you to Nirvana. (…) And in particular, every single one of the major world traditions has highlighted, has put at the core of their tradition, what’s become known as The Golden Rule: first propound by Confucius five centuries before Christ, do not do to others what you would not like them to do to you.
(…)
There is also a great deal of religious illiteracy. All around people now acquaint religious faith with believing things. We call religious people often believers as though that is the main thing that they do. And very often secondary goals get pushed into the first place in place of Compassion and The Golden Rule, because The Golden Rule is difficult!
– sometimes when I’m speaking to congregations about the Compassion, sometimes I see a mutinous expression crossing some of their faces because a lot of religious people prefer to be right rather than compassionate.


I whish that you would help with the creation, launch and propagation of a Charter for Compassion, crafted by a group of inspirational thinkers from the three Abrahamic traditions of Judaism, Christianity and Islam, and based on the fundamental principle of The Golden Rule.

We need to create a movement among all these people I meet im my travels, you probably you meet them too, who want to join up in someway and reclaim their faith, which they feel, as I say, as being hijacked.
We need to empower people to remember the Compassion ethos (…).


[página para o Alliance of Civilizations, patrocinado pelas Nações Unidas: http://www.unaoc.org/]

janeiro 01, 2009

Palestina, século XXI [#2]

mais uma referência para reflexão - as vozes da oposição à estratégia/conflito estão um pouco por todo o lado, inclusivamente dentro da própria comunidade judaica: The Origin of the Palestine-Israel Conflict, published by Jews For Justice In The Middle East [pdf acessível a partir da imagem]:

(...) As the periodic bloodshed continues in the Middle East, the search for an equitable solution must come to grips with the root cause of the conflict. The conventional wisdom is that, even if both sides are at fault, the Palestinians are irrational "terrorists" who have no point of view worth listening to. Our position, however, is that the Palestinians have a real grievance: their homeland for over a thousand years was taken, without their consent and mostly by force, during creation of the state of Israel. And all subsequent crimes - on both sides - inevitably follow from this original injustice.
This paper outlines the history of Palestine to show how this process occurred and what a moral solution to the region's problems should consist of. If you care about the people of the Middle East, Jewish and Arab, you owe it to yourself to read this account of the other side of the historical record.

(...)


As Chomsky writes in his Peace in the Middle East?, "In the American Jewish community, there is little willingness to face the fact that the Palestinian Arabs have suffered a monstrous historical injustice, whatever one may think of the competing claims. Until this is recognized, discussion of the Middle East crisis cannot even begin." In the long run, only by admitting their culpability and making amends can Israelis live with their neighbors in peace. Only then can the centuries-old Jewish tradition of being a people of high moral character be restored. And only in this way can real security, peace and justice come to this ancient land.

Palestina, século XXI [#1]

o conflito israelo-palestiniano está muito documentado na web. em contraste, é pouco divulgado através dos noticiários televisivos (mais preocupados com a carnificina do que nas questões de fundo), e na imprensa escrita os artigos parecem vir moldados de acordo com posições pré-definidas, quer por via dos colunistas, ou das fontes internacionais de onde os artigos são normalmente traduzidos. a questão é muito complexa. com ela aprendi que não me devo manifestar sobre factos cujo contexto me seja desconhecido.

faz cerca de 5 anos que fiz uma pequena pesquisa de informações sobre o conflito, em consequência da leitura (devorada) de uma graphic novel jornalística da autoria de Joe Sacco, intitulada Palestine. esbarrei com mapas da Palestina que me deixaram boquiaberta com a conivência internacional com violações sistemáticas de resoluções internacionais, à boleia de interesses sobre os quais posso apenas especular, à falta de informações concretas.

sugestão de leituras para entender um pouco melhor o contexto desta luta, são os livros de Karen Armstrong, como o A History of God: The 4,000-Year Quest of Judaism, Christianity and Islam e, na linha do conlúio internacional, a obra de Noam Chomsky, como por exemplo o primeiro capítulo do What Uncle Sam Really Wants.

ficam então os mapas, com ligações para as respectivas fontes.

               



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