fevereiro 29, 2008

Outros sons no cimo da montanha: Missão

Antena 1, dia 29 de Fevereiro, 21h55: Banda Sonora, por João Lopes.
Escolha do dia: Missão, de Ennio Morricone.

Enquanto o arrepio se espraiava até à superfície da pele e coluna acima, a dupla viagem no tempo: o tempo da História, século XVIII, nas fronteiras paradisíacas do Brasil, Argentina e Paraguai; o tempo do visionamento do filme, final dos anos 80.
O arrepio ainda é o mesmo.

Esta amostra YouTube devolve-me mais imagens.



No Banda Sonora passou o "Oboé de Gabriel", na versão apoteótica do filme em que os sons da orquestra se misturam com o canto encorpado do coro e ritmos indios. Acontece ao minuto 2m30.
Bis*: o arrepio ainda é o mesmo.


* um dia este blog ainda muda de nome. karrepio.

fevereiro 28, 2008

Ovni no ar: O som atinge o cimo das montanhas, de João Camilo

A Ovni promete leituras à velocidade da luz, com livros que "... procuram (...) deslocar-se no espaço e no tempo, ligarem pontos muito distantes.

Por dois ou três dias andei com outro ovni no bolso, partilhando o desvendar do que acontece depois do instante em que o som atinge o cimo da montanha. João Camilo escreve sobre o silêncio que fica no rasto dessa trajectória. O som pode ser o passado que começa no agora, os pensamentos que preenchem os sentidos no cair da noite, a contemplação dos outros numa esplanada ensoladara. O rasto de silêncio confunde-se com o futuro de memórias e emoções que insistimos em guardar e transportar. Os poemas-prosa encadeiam-se. Sente-se o envelhecer, o peso do tempo de quando a descoberta do Eu pode confundir-se com resignação emocional.

Mera coincidência que o personagem se chame "K.".
Pergunto-me quantas pessoas, ao ler este livro de João Camilo, se revêem no estudo do rasto do silêncio. A poesia também é isto, apropriação de palavras:

(...)
Não aprendi ainda
a lição, a terrível lição:enquanto
for tempo de durar, dura; olha
enquanto for tempo de ver. Se
for tempo de estar, está. Sofre,
se for tempo de sofrer. E odeia
também, se te apetecer e for
preciso. Não descures os
minutos e os segundos, (...)
(...), pois se te for concedido
o tempo hás-de arrepender-te.

[excerto de Enquanto for tempo]

vale a pena a leitura plena deste diálogo mental de K. Agora, vou deixar os silêncios repousarem certa de que a eles voltarei de tempos a tempos.

fevereiro 26, 2008

Formiga com catarro e Pó dos Livros

Sinto uma pequena ansiedade positiva, miudinha, com as actividades pendentes para uma próxima ida a Lisboa. Uma delas é entrar na Pó dos Livros. À parte este pequeno detalhe, transcrevo aqui uma pequena estória que me deixou a sorrir. É contada por Jaime Bulhosa no blog da Pó dos Livros:

“Já a formiga já tem catarro”, e ainda bem. Há uma coisa de que eu tenho a certeza, os leitores do futuro serão muito mais exigentes do que nós somos agora.

Outro dia, entra um miúdo de três anos na livraria e diz, com uma vozinha muito querida: - Senhoii, queo tocar este livo poque tá estagado!

Numa das páginas do livro o narrador, a dada altura, conta que se encontram na floresta um hipopótamo, um leão, uma cobra e uma formiga. Só que o ilustrador por lapso, ou não, esqueceu-se de representar a formiga. O miúdo pergunta-me: - onde é que tá a fomiga? Como não estava, queria trocar o livro. Achei que os argumentos apresentados tinham validade, ainda tentei dizer-lhe que a formiga era muito pequenina e por causa disso, não se via. Resposta que não foi de todo satisfatória.

Livro de reclamações: Senhores ilustradores, se um autor escrever que existe um hipopótamo, um leão, uma cobra e uma formiga, façam o favor de os desenhar a todos.

[Jaime Bulhosa]

fevereiro 24, 2008

manhã de domingo ameno










a
chuva
crepita
suave
n'areia
da praia

fevereiro 23, 2008

4a feira de cinzas ( I/VI )

©ka


Because I do not hope to turn again
Because I do not hope
Because I do not hope to turn
Desiring this man’s gift and that man’s scope
I no longer strive to strive towards such things
(Why should the agèd eagle stretch its wings?)
Why should I mourn
The vanished power of the usual reign?

Because I do not hope to know
The infirm glory of the positive hour
Because I do not think
Because I know I shall not know
The one veritable transitory power
Because I cannot drink
There, where trees flower, and springs flow, for there is
nothing again

Because I know that time is always time
And place is always and only place
And what is actual is actual only for one time
And only for one place
I rejoice that things are as they are and
I renounce the blessèd face
And renounce the voice
Because I cannot hope to turn again
Consequently I rejoice, having to construct something
Upon which to rejoice
And pray to God to have mercy upon us
And I pray that I may forget
These matters that with myself I too much discuss
Too much explain
Because I do not hope to turn again
Let these words answer
For what is done, not to be done again
May the judgement not be too heavy upon us

Because these wings are no longer wings to fly
But merely vans to beat the air
The air which is now thoroughly small and dry
Smaller and dryer than the will
Teach us to care and not to care
Teach us to sit still.

Pray for us sinners now and at the hour of our death
Pray for us now and at the hour of our death.

[Ash Wednesday, T. S. Eliot]
[Collected Poems 1909-1962, edição faber and faber]

abdicando da musicalidade, há versão alternativa aqui

fevereiro 19, 2008

Isto é uma cheia!

[entrevista de rua ao proprietário de um café, em Setubal,
por jornalista da RTP, Jornal da Noite de 19 fev]








jornalista: a água subia até um metro de altura no seu café.

isto é uma desgraça!!?!
sadino: não. isto é uma cheia.

desgraça é a fome em Moçambique.

isto é uma cheia.
sadino:
quem tem seguro, está protegido; quem não tem, terá de arranjar outra solução.

fevereiro 18, 2008

Na órbita do pião


Olhei para ele, ele para mim
e só tínhamos um atalho
a percorrer e um pouco de nada
para comer. As palavras

foram escasseando aos pés
da tristeza das nossas vidas.
Sós, só nos restava morrer
antes do tempo. Mas quem
teria coragem de parar o corpo
e abandonar o outro no fundo
do poço dos dias insípidos
onde a luz é um charco
de alfabetos de solidão?

Encontrei um pião abandonado
num beco sem nome e lembrei
vagarosamente alguma infância
apoquentada, ficando horas
a fio a rodar o pião
no tampo da mesa de granito,
sem saber como infectar os sóis
e as luas que me restavam.

Olhou-me e nada disse.
Das palavras restavam patilhas
e pernas de letras presas
nas esquinas do farpado vento.
Junto ao pé seco do alecrim
um escaravelho preto agonizava
de patas viradas para a órbita
do astro mortal. Apontou
lá para o cimo e avistei
anjos estrangulados
entre os dentes dum garfo
limpo de comida plástica.

– Que falta nos fazem
as nossas mães!

Foi o qu’eu consegui dizer-lhe.
Então as lágrimas disseram
a saudade que dela tinha.

Oferecendo-me uma carícia,
passou a sua mão sobre
a minha parando o pião.

Do tecto azul invisível
caiu uma pena impura
da asa dum anjo nu

[Jorge Aguiar Oliveira]

fevereiro 17, 2008

dilate

de regresso a casa, a "rádio memória" fixou-se nesta sintonia:



[Ani di Franco, Dilate]

(...)
So I'll walk the plank And I'll jump with a smile
If I'm gonna go down I'm gonna do it with style
And you won't see me surrender You won't hear me confess
'Cuz you've left me with nothing But I've worked with less
And I learn every room long enough To make it to the door
And then I hear it click shut behind me
And every key works differently I forget everytime
And forgetting defines me
That's what defines me

When I say you sucked my brain out The English translation
is I am in love with you And it is no fun
But I don't use words like love 'Cuz works like that don't matter
But don't look so offended You know, you should be flattered
And I wake up in the night In some big hotel bed
And my hands grope for the light And my hands grope for my head
The world is my oyster The road is my home
And I know that I'm better Off alone

fevereiro 11, 2008

com esta regresso

(kalu?) (kalu sebastião?) (kalu moinho d'água?)

fevereiro 07, 2008

com esta me vou



[Nina Simone, Feeling good]




o que regressará?

fevereiro 06, 2008

Para bem dispôr

Não perder O Café, no Teatro Nacional São João, até 24 de Fevereiro! Texto de Carlo Goldoni (1750), Cenografia e Encenação de Giorgio Corsetti. 2h30 de boa disposição, sempre com um toque moral para nos deixar a pensar. Num café que poderia situar-se num qualquer tempo - lugar.
nada de abrir o programa da peça! deixem-se surpreender!
... o meu sorriso só se desvaneceu com a chegada de Morfeu!
bravo!

só um pequeno comentário:

srs actores, toca de procurar a luz! da tribuna é difícil ver os rostos ao deixarem-se ficar nas sombras dos actores com que contracenam. particularmente incomodativo na primeira meia hora da peça.

epílogo

vou convidar Justine e Robin para tomar chá aqui por casa.
luz ardente no horizonte, nem noite, nem dia. farei as honras da casa.
guardarei silêncio, observadora, atenta, voyeur.
não darão por mim. serei transparente.
depois... talvez escreva o romance desse encontro imprevisível.

[ka@fev08]

mais três excertos, mas...

... desta vez a partir de Nightwood, de Djuna Barnes

(1)
Por temperamento Nora era uma cristã precoce; ela acreditava na palavra. Há um iato na "dor do mundo" através do qual o particular cai continuamente e para sempre; um corpo em queda no espaço observável, desprovido da privacidade do desaparecimento; como se a privacidade, afastando-se interminavelmente, pelo mesmo poder sustentador da sua retirada mantivesse o corpo em queda eternamente, mas num só lugar, e perpetuamente defronte do olhar. Assim era Nora. Havia uma perturbação no seu equilíbrio que a mantinha imune à sua própria queda.
Nora tinha o rosto de todos os que amam a pessoa - um rosto que seria maldoso quando ela descobrisse que amar sem crítica é ser traído. Nora roubava-se em favor de toda a gente; incapaz de prevenir-se a si mesma, virava-se continuamente para se descobrir diminuida. viajantes de todo o mundo achavam-na lucrativa no sentido em que ela podia ser vendida por um preço eterno, pois que carregava o dinheiro da sua traição no seu próprio bolso.


(2)
[O'Connor dirigindo-se a Nora] 'Para pensar no fruto é necessário tornar-se árvore. E a árvore da noite é a mais difícil de subir, a mais desolada de escalar, a mais difícil de ramificar, a mais febril ao toque, e transpira uma resina e goteja uma pasta contra a palma da mão que o cálculo não apostou. Gurus, que, acredito que saiba, são professores Indianos, esperam que contemple o fruto por dez anos consecutivos, e se, nesse tempo, não tiver adquirido mais conhecimento sobre o fruto, não será muito brilhante, e essa pode ser a única certeza que sairá da experiência, o que é uma melancolia pós-graduada - pois nenhum homem pode encontrar uma verdade maior do que os seus rins o possam permitir. Assim, eu, Doctor Matthew Mighty O'Connor, peço-lhe que pense na noite durante o dia, e sobre o dia ao longo da noite, ou tudo voltará pesadamente sobre si durante um qualquer alívio do cérebro - um motor parando-se sobre o seu peito, parando as suas rodas dentadas contra o seu coração; a não ser que você lhe tenha feito um caminho.

(3)
'Ah, majestosa incerteza!' disse o doutor. ' Já pensou em todas as portas que se fecharam pela noite e que se voltaram a abrir? De mulheres que procuraram por aí com candeeiros, como você, cirandando sobre pés rápidos? como mil ratos elas vão de um lado para o outro, agora rápido, agora devagar, algumas parando atrás de portas, algumas tentando encontrar as escadas, todas aproximando-se ou deixando a sua carne de rato deslocada, que se esconde numa qualquer fresta, num qualquer sofá, deitada sobre um qualquer chão, atrás de qualquer armário; e todas as janelas, grandes e pequenas, a partir das quais o amor e o medo se mostram, brilhando e em lágrimas? disponha essas janelas de um extremo ao outro e terá uma janela que dará a volta ao mundo; e ponha esses mil olhos num único olho e terá a noite prescrutada a pente fino com a grande lanterna cega do coração.

[tradução arriscada por ka]
[editora faber and faber]

fevereiro 05, 2008

três pequenos excertos...

... de Justine, 1º livro do Quarteto de Alexandria, de Laurence Durrel.

(1)
[Baltasar, falando do velho poeta, K. Kavafis] ... Na sua vida, utilizava realmente o melhor de si próprio, o seu ser profundo. A maior parte das pessoas deixam-se levar e sofrem a vida como quem recebe as rajadas de água morna debaixo do chuveiro. À proposição cartesiana penso, logo existo opunha-se a sua, que se podia enunciar desta maneira: imagino, logo pertenço e sou livre.

(2)
... Justine, que passava pelo mesmo estado de confusão entre as suas ideias e as suas intenções, reagia de maneira diferente: "sabes quem inventou o coração humano? se sabes, diz-me o lugar onde o enforcaram".

(3)
Ao regressar pela avenida mergulhada na noite, sob o dossel de árvores, respirando deliciado a brisa que subia do porto, vieram-me à memória aquelas palavras que Justine pronunciara deitada a meu lado: "servimo-nos dos outros como se fossem machados para abater aqueles a quem realmente amamos".


[Editora Ulisseia]

fevereiro 03, 2008

six questions with filomena nunes

hoje, um pouco de divulgação de ciência dirigido à sociedade e a promissores jovens cientistas com queda para a Física. o vídeo pertence ao National Superconducting Cyclotron Laboratory (NSCL), em Michigan State University, US of A. conta com o testemunho de uma física teórica portuguesa. não, não me vou meter pelas questões da "fuga dos cérebros"...


As questões:
what role does nuclear theory play at NSCL?
how do theorists and experimenters interact at NSCL?
is there a memorable experiment you have been part of in your career?
what brought you to NSCL?
how is the environment changing for women in physics?
do you have any advice for potential students?





esta é uma iniciativa com interesse de divulgação muito direccionado.

também em portugal tem vindo a crescer o número de iniciativas e meios de divulgação sobre a investigação a correr nas nossas universidades, I&D em empresas, e pelo trabalho e percurso dos Nossos cientistas espalhados pelo planeta. passe a publicidade, estou muito contente com o trabalho independente no Ciência Hoje [www.cienciahoje.pt].

mas nada de dar o trabalho por concluido.
há que fazer muito ainda.
arregacemos as mangas.