março 31, 2008

Lúcia David [2/2]

ainda a reinvenção do livro, no feminino
Espaço Imerge,
Rua de Santa Catarina 777,
Porto, até 12 de Abril !!!

fica o registo da imponente desconstrução do livro the way you are, a handbook for girls de Anne Allen; título, de resto, muito sugestivo.

sente-se cada ideia-quadro a perfurar a alma.



apontamento de Lúcia David sobre livro da série Reader's Digest Condensed Books:

babywood childhood adolescence womanhood
guileless frankness restlesness hopelessness



Leap Off





press release da Imerge:
Saltar de um edifício, aterrar no asfalto, partir para sempre. Há algo de poético no suicídio que o torna um acto estético apagando o desespero de quem vive a acção de acabar com a própria vida. A morte só acontece aos outros. É um retrato, um espectáculo... uma notícia. No salto, na queda, não há sangue nem sujidade. Há beleza. Há liberdade. Há voo.

I
Na primeira sala acontece um trabalho de representação de perspectivas de queda, voo, em direcção ao chão - o fim - pretendendo apenas que se olhe sem se sentir. Tratam-se de metáforas visuais, abstracções que em nada traduzem a ideia de suicídio, no entanto representando-o.
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há mais peças para ver. mas não quero quebrar a surpresa da descoberta. há que experimentar a surpresa presencial.


março 29, 2008

Abril à porta

pequenas histórias de desilusão, de esperança, de acção, de luta, no período que sucedeu a Revolução de 74, contadas no feminino:


2 excertos de As Pombas são vermelhas,
Urbano Tavares Rodrigues,
LBEuropaAmérica

Margarida:

Um dia, Margarida, entrarás em triunfo num conto todo azul que será real. E nesse dia tu, que és já, por opção, o povo, que sofreste para o ser e saber sê-lo, serás para todos a bandeira, o sorriso, o desafio não teatral, o amor singelo. Tua frágil silhueta de lutadora, o sol disperso no metal da voz, o calor da tua palavra que é esperança, que é ajuda, e é batalha!
(...)
Um dia, Margarida, Portugal estará mais do que hoje apto a aceitar mulheres como governantes; e então, tu cumprirás plenamente, servindo o povo, num cargo certamente difícil, desses que tão duramente obrigam ao que tu aprendeste e sabes, no teu lindo sorriso, lindo de fraternidade: transmitir aos outros a tua verdade e trabalhar pelo futuro, para o futuro. Porque tu és (nós somos) o intervalo, o intervalo amorosamente sacrificado, entre as faustosas ruínas (desses que, em seu espavento, nem as vêem) e o projecto de outra sociedade, que havemos de modelar, com a arraia-miúda e segundo a sua vontade consciente - mas que já não fruiremos na sua hora de jardim.

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Mulher escrevente

numa pausa da Revolução:

A Revolução, em rigor, não tem pausas. Mas é preciso inventá-las. Senão, não aguentamos.
Este escrever é mais uma forma subtil de me torturar. A sala é grande de mais para mim. Habita-me, à margem da Revolução, ou dentro dela, um amor que também inventei (ou não?) como esta pausa. Como este refluxo.
Tento agarrar-te (me) por dentro. (...)
(...)
Escrevo: sou assim o guia cego de umas quantas palavras destruídas e recriadas. Um dia, não podia mais, resolvi gritar - e então cantei.
Agora amo-te (me). Não sei onde isto me levará. Amar é, de certo modo, matar. Contigo experimento a ternura das noites tépidas. Contigo imagino que sou livre. Estar contigo, fazer contigo amor, mesmo sem saber o que leveda por detrás dos teus olhos escuros, é bater com uma porta na cara do mundo do deve ser.
Olho-te (me) de frente, longamente, meigamente, ferozmente. De frente tenho olhado, quero olhar, o medo, a loucura, o amor, a morte. A revolução.
(...)

março 28, 2008

Portishead @ Coliseu do Porto

"O que você dá retornará para você. Essa lição você tem de aprender. Você só ganha o que você merece."
[abertura de Silence]



[ka2008]

um magnífico concerto. sim, volta-se atrás no tempo, a outros rostos, a outras rotinas. mas não passaram 10 anos. melhor, não interessa quantos anos passaram.

portishead não é fastfood, nem deve ser ingerido com demasiada frequência. é sempre bem-vindo, companhia de confiança no retemperar da divagação dos pensamentos, de emoções.

entrei no coliseu sem qualquer referência ao novo projecto. o som estava óptimo: clareza na voz e nas palavras da beth.

é de braços abertos que recebo este third. gosto!

(artigo na P2/Público)

on the road...

enquanto alguém conduz
outro alguém aproveita a boleia das luzes fugidias


[ka2008 @ EN254+A6+A2]

março 21, 2008

21 de Março

Guardador de Rebanhos / II

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do mundo...
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...

O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar...

Alberto Caeiro
08.03.1914

[tirado daqui]

março 20, 2008

Lúcia David [1/2]

Espaço Cultural Serv´artes,Rua da Constituição 2105,
Porto,até 11 de Abril !!!

reinvenção do livro

o papel, no seu silêncio de livro reinventado, a gritar.
o esventramento, paredes de palavras aparentemente disconexas a ecoar nos ôcos.
o confinamento flutuante.
o entrelaçar angulado de outras páginas.
o trabalho minucioso. o corte perfeito.
texturas. profundidade. volume. arestas. dobras. as palavras.
nascem novos encadeamentos de palavras. mensagens.
género: feminino.









Inventing Herself
[30cm x 30cm]

Split Personality
[20cm x 80cm x 8]

Confinement
[36cm x 36cm]

The Web (to my mother)
[36cm x 36cm]


março 19, 2008

Resquícios do circuito da Miguel Bombarda (Porto) #2

Até meados de Abril:



L'esprit des lieux
, Pascal Nordmann, na Por Amor à Arte Galeria (não perder!)


XIII Segundos, Paulo Robalo, na Galeria Arthobler.com


Alexandre Cabrita, na Galeria Minimal


Zona, Eduardo Gomes, na Galeria Serpente



with no alarms and no suprises

[ecos de Radiohead]

[ka_08]

março 17, 2008

Ainda Alvess

ainda estou a matutar na reserva de Alvess à exposição pública da sua obra.

transcrevo um pouco de um artigo muito completo por João Fernandes e Sandra Guimarães, na e-vai: plataforma virtual para a comunidade das artes plásticas e visuais.

"Por sua vez, há ainda um outro detalhe biográfico, aparentemente contraditório com este último, que relaciona Alvess com autores que anunciam uma modernidade redefinidora das atitudes perante a arte e perante a vida. Alvess, na independência com que separa o seu trabalho de artista das questões da sobrevivência na sua vida de cidadão (nunca terá até ao momento vendido um único trabalho seu...), ao recusar “uma carreira” de artista, sobrevivendo com empregos que terão tido o seu quê de rotineiro, filia-se na linhagem dos Bartleby [4], esses mansos funcionários subversivos, seguidores de rotinas irrepreensíveis que, quando confrontados com o que se espera deles, surpreendem pela delicadeza da recusa firme com que dizem “prefiro não o fazer”. Ou dos Bernardo Soares [5], esses escriturários invisíveis da rotina com uma segunda existência com a qual reinventam a vida através da sua crítica filosófica do real."


volto ao matutar, que já não tem directamente a ver com Alvess, mas com o motor que nos põe em funcionamento, dentro e fora das nossas rotinas diárias:
- de onde vem a força criadora?
- quais as nossas motivações?
- da legitimidade do reconhecimento...?
- quanto dependemos dos outros ou de nós mesmos?
- ...




março 16, 2008

Alvess em Serralves

EN UTILISANT SON EXTENSIBILITÈ
LE SEIZIMÈTRE D'ALVESS
EST LE SEUL INSTRUMENT DU MONDE
CAPABLE DE MESURER JUSTE


[Comissariado: João Fernandes e Sandra Guimarães; Produção: Museu de Serralves]

A exposição de Alvess (Manuel Alves, Viseu 1939) começa, como começa a escrita de um precioso livro. Uma tela que, aposto, deve ter cerca de 1,60m de altura, onde se mostra a face de um livro de registo de escriturário, capa dura, etiqueta rectangular de cantos aparados, ainda em branco. (Do branco haverá mais a escrever.) Depois, uma sucessão de telas. Deveria escrever papel porque parece ser essa a ideia de Alvess: a tela-papel. A tela manuseada como se de papel se tratasse, o papel do livro que começamos a desvendar a cada passo.

Acho que é possível imaginar Alvess na execução destas obras, com minúcia, precisão, e uma certa leveza no contacto com a tela, pois que o papel também tem de ser tratado com um certo carinho, como quando folheamos um livro que nos é muito próximo. É assim que imagino Alvess no seu espaço criativo. Folheamos este livro de páginas com réguas, furos, catalogações, marteladas indevidas (uma graça a descobrir), fechos éclair, e terminamos num virar de página muito original, a folha teimosa que fica firme sobre o conjunto, enquanto que a malha fantástica de palavras alinhadas se vira sobre o canto inferior direiro ao nosso movimento imaginado do virar da página pela mão. As réguas estão muito presentes, mas desconstruídas, distorcidas, com novos comprimentos padrão. A medida é sempre relativa... Alvess é genial: LE SEIZIMÈTRE D'ALVESS EST LE SEUL INSTRUMENT DU MONDE CAPABLE DE MESURER JUSTE!, lê-se na folhinha no interior da preciosa caixa do original instrumento de medida elástico...

Há muito mais Alvess para conhecer em Serralves. A exposição está muito equilibrada. É-me difícil apontar uma obra preferida, ou um conjunto. Mas olho para a caixa de vassoura de varredor parisiense com extrema ternura (escapa-me o nome original da obra). Para ver: registos das suas performances/happenings em Paris por volta de 1970, pintura, fotografia, arte postal, objectos (onde se insere o seizimètre da imagem de cima), e os magníficos desenhos a guache da última sala.

A brancura e a luminosidade do piso inferior de Serralves acolhem com perfeição o silêncio que toda esta obra tem como envolvente. As longas e estreitas escadas, descidas da escuridão para a luz, são porta de entrada previlegiada para o mundo desconhecido de Alvess.

A ver! Eu vou voltar.

março 14, 2008

inversão de papéis...

...khalu dorme, eu com amostras de insónia.

faz algumas semanas que te coloquei numa pasta laranja, neste teu formato de 211 páginas. estás presente em todos os regressos ao quarto. e' la' que me espreitas. melhor, e' ali que eu te espreito. ainda que no confinamento de uma pasta laranja, com elásticos, nao vá uma lufada de vento baralhar-te/me/nos a ordem.

mas hoje houve vozes, mãos, olhos, pássaros a rasgar céus, corpos cobertor, e esta espiral a tornear-me as correntes nocturnas:

"cercam-me os teus olhos como espelhos de água transparentes onde se reflectem os dias que abraço na memória" [munakazi]

sim, aproprio-me de segredos que não são meus. e não vou inventar a roda, pelo que


Quero dizer-te uma coisa simples: a tua
Ausência dói-me. Refiro-me a essa dor que não
Magoa, que se limita à alma; mas que não deixa,
Por isso, de deixar alguns sinais - um peso
Nos olhos, no lugar da tua imagem, e
Um vazio nas mãos, como se as tuas mãos lhes
Tivessem roubado o tacto. São estas as formas
Do amor, podia dizer-te; e acrescentar que
As coisas simples também podem ser complicadas,
Quando nos damos conta da diferença entre o sonho e a realidade.
Porém, é o sonho que me traz a tua memória; e a
Realidade aproxima-me de ti, agora que
Os dias correm mais depressa, e as palavras
Ficam presas numa refracção de instantes,
Quando a tua voz me chama de dentro de
Mim - e me faz responder-te uma coisa simples,
Como dizer que a tua ausência me dói.

[Nuno Júdice]


apenas isto. ou então isto é ainda resquício do efeito incompreensível de Caramel.

março 13, 2008

lisbon story*

sons de Madredeus, um rasto para reavivar a memória:


[Wim Wenders, 1994]
[música: Guitarra, Madredeus]

este é um dos filmes que me acompanhará, sempre: um sonoplasta arrastado até ao coração de Lisboa, por amizade, por trabalho - ou não fosse a sonoplastia uma das minhas possíveis profissões alternativas...

e, é claro, cruzar toda a europa para chegar ao âmago desta cidade abraçada ao Tejo nunca poderia ser uma aventura sem precalços. há que vê-los. não os desvendarei aqui.

no filme Lisboa desvenda-se através da magia da luz, das pessoas, dos putos, dos bairros, das vistas, e das sonoridades de Madredeus, num casarão de sonho, meio abandonado, a meter água, albergando pequenas magias, como as leituras de Pessoa em lingua alemã, pelo sonoplasta Philip Winter
-eu gosto da sonoridade alemã-
entre o filme e as minhas deambulações caminhantes por lisboa (ruas do bairro alto, do castelo, da ribeira, de santos, de alfama, príncipe real...), o sentimento é o mesmo. uma dose de calma, outra de nostalgia, outra de saudosismo, outra de beleza, e finalmente uma dose de encantamento, ingredientes envolvidos com os sons de bairro, as velhotas de janela para janela, os miúdos das pracetas na brincadeira.

o filme não é "perfeito". há um momento que poderia ter sido abreviado. mas o que vem depois é também uma mensagem que merece reflexão. também não me vou alargar sobre ela. há que sofrer um pouco do tormento, para ver como Winter dá uma verdadeira lição de vida ao personagem-realizador-amigo Friedrich.


o final de uma das minhas cenas preferidas, a demonstração das artes de um sonoplasta:
Winter: this cowboy needs a shave...


*(esta kasca já estava prometida há algum tempo...)

março 10, 2008

Desarmada...

... foi assim que saí.

março 08, 2008

Encontro Maya Angelou no cais ferroviário de Gaia

9h41 am: dou por mim de olhos semi-cerrados a tentar despertar para este sábado nublado, no meio do caos visual em que está neste momento a estação de Vila Nova de Gaia. plataforma 2, aguardando a chegada do embalo pendular. a Maya espreita-me com o seu sorriso acolhedor, da capa do livro que uma passageira aconchegava entre mãos, 2 metros ao meu lado. e aquelas palavras mágicas "I know why....". não se via todo o título mas não era preciso, porque é-me muito familiar.

I know why the caged bird sings! o primeiro de uma série de livros auto-biográficos desta grande senhora. se não se acredita, é lê-los (devorá-los!) todos. cada vida é uma vida, e certamente que o contexto da minha não é de todo comparável ao contexto século XX que maya angelou cruzou. mas a sua personalidade mágica, lutadora, enternecedora, revela-se a todos os desafios, incertezas, surpresas, alegrias e tristezas. é aí que está a força da história de maya angelou. o seu Humanismo. a maya deste primeiro livro é ainda uma criança prestes a tornar-se adolescente. mas não se menospreze o interesse deste período da sua vida. é a revelação de um potencial em bruto. uma descoberta partilhada entre maya-criança e o leitor.

agora hesito. terei lido o último dos últimos? tenho esse pendente? certamente este primeiro é um dos mais fortes, encantador, a ponto de nos levar, como todo o bom livro, para uma realidade bem longe desta rotina dos nossos dias e preocupações.

obrigada pelo nome da editora dessa linda capa (Virago Press, UK).

a minha edição é outra (Bantam, USA)

passou-me: a possibilidade de emprestar todos os outros que tenho comigo... mas é uma forte possibilidade.

deixo o poema provavelmente mais famoso de maya angelou aqui:


Still I Rise

You may write me down in history
With your bitter, twisted lies,
You may trod me in the very dirt
But still, like dust, I'll rise.

Does my sassiness upset you?
Why are you beset with gloom?
'Cause I walk like I've got oil wells
Pumping in my living room.

Just like moons and like suns,
With the certainty of tides,
Just like hopes springing high,
Still I'll rise.

Did you want to see me broken?
Bowed head and lowered eyes?
Shoulders falling down like teardrops.
Weakened by my soulful cries.

Does my haughtiness offend you?
Don't you take it awful hard
'Cause I laugh like I've got gold mines
Diggin' in my own back yard.

You may shoot me with your words,
You may cut me with your eyes,
You may kill me with your hatefulness,
But still, like air, I'll rise.

Does my sexiness upset you?
Does it come as a surprise
That I dance like I've got diamonds
At the meeting of my thighs?

Out of the huts of history's shame
I rise
Up from a past that's rooted in pain
I rise
I'm a black ocean, leaping and wide,
Welling and swelling I bear in the tide.
Leaving behind nights of terror and fear
I rise
Into a daybreak that's wondrously clear
I rise
Bringing the gifts that my ancestors gave,
I am the dream and the hope of the slave.
I rise
I rise
I rise.

Maya Angelou [retirado daqui]